quinta-feira, junho 23, 2011
"Intermitentes - 4 anos a construir pontes entre trabalhadores precarizados" por Bruno Cabral
Intermitentes - 4 anos a construir pontes entre trabalhadores precarizados
Foi num encontro inédito em Novembro de 2006 no Teatro da Comuna, com mais de 300 pessoas de todas as áreas das artes do espectáculo e dos audiovisuais, que apresentámos uma petição para uma lei que reconheça os direitos sociais e laborais a um sector desregulamentado e extremamente precarizado. As relações entre trabalhadores e empregadores nestas actividades é, na maior parte dos casos, de muito curta duração e os seus profissionais foram habituados a passar recibos verdes falsos e injustos. Sem o reconhecimento da sua relação de trabalhador por conta de outrém, por mais curta que seja a duração do vínculo, nunca puderam aceder a contratos de trabalho, ter direito a horas extraordinárias pagas, férias, subsídio de férias, a protecção em caso de acidente, doença ou desemprego e ter uma carreira contributiva à segurança social justa.
Nasceu a Plataforma dos Intermitentes, organização informal que juntou associações, sindicatos e activistas do sector. Após 4 anos de actividade, foram realizados dezenas de encontros de trabalhadores, reuniões com partidos políticos e membros do governo, foi aprovada uma primeira lei em 2008 e, este ano, alterações à mesma. A Plataforma dos Intermitentes conseguiu criar redes de contactos e de comunicação sem precedentes entre trabalhadores tão disseminados e itinerantes nas suas relações de trabalho. Mais do que tudo isso, nasceu uma identidade colectiva: profissionais de dezenas de áreas, da música, da dança, do teatro, do audiovisual, das artes perfomativas e de muitas outras passaram a identificar-se como trabalhadores intermitentes. Desenvolveu-se pouco a pouco o sentimento de uma precariedade colectiva injusta e da possibilidade de uma luta comum por alternativas aos recibos verdes.
O passo seguinte deste movimento informal de trabalhadores precários foi a procura de bases de apoio para criar uma nova organização com meios para defender os trabalhadores do sector de forma contínua, com capacidade de apoio legal, de representatividade efectiva junto dos empregadores e do estado, e com novos espaços de participação e acção colectiva: um novo sindicato abrangente.
A estratégia foi clara: unir os 2 sindicatos da Plataforma dos Intermitentes, o Sindicato dos Músicos e o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, através de uma fusão, apresentar publicamente a existência da nova estrutura, propôr aos intermitentes a sua inscrição e realizar uma primeira assembleia geral em que todos pudessem ter voz e e desenvolver propostas para a organização colectiva.
Consciente de que era altura de reinventar uma acção sindical mais adequada à realidade social e laboral da sociedade portuguesa, o Sindicato dos Trabalhadores do Espectáculo, esteve sempre presente e envolvido neste processo, reivindicando o seu papel de parte integrante da Plataforma dos Intermitentes. Foi por isso com surpresa e desgosto que vimos a sua AG rejeitar a fusão dos sindicatos, por razões confusas e incompreensíveis, não se chegando sequer a debater a proposta de estatutos a que se tinha chegado. A votação foi realizada por voto secreto, com uma participação na votação de uma larga percentagem de votos por procuração.
Uma organização activa na defesa de trabalhadores só pode resultar se os seus activistas actuarem de forma transparente e com a participação dos seus sócios nas tomadas de decisão. Não se pode falar em nome dos outros sem os incluir no debate, nem criar convergências sem cada um assumir as suas posições. Por isso, parece-me óbvio que tomadas de decisão política em órgãos sindicais não podem ser por voto secreto nem podem existir procurações para este tipo de decisões.
Uma nova estrutura que integre os Intermitentes do Espectáculo e do Audiovisual só poderá vingar se tiver espaços abrangentes de discussão e de participação dos sócios, redes activas de comunicação entre eles, souber sempre alargá-las, e todos possam aprender com as experiências de uns e outros. Um sindicalismo no século XXI não pode confundir interesses partidários ou individuais com os desafios de unir trabalhadores e revitalizar o sindicalismo. Um sindicato não pode estar acima ou ao lado dos trabalhadores, tem de saber contar com eles e aprender a reinventar-se.
Perante os desafios da sociedade contemporânea fragmentada e o declínio dos sindicatos, o sindicalismo tem de aprender através do diálogo activo com os movimentos activistas e de cidadãos, saber incluí-los e crescer com eles sem desconfianças. Acima de tudo, e o mais difícil, é aprender a quebrar rotinas de luta e de organização, receitas e tradições.
Temos uma nova lei que reconhece mais claramente o direito à contratação, e temos de desenvolver nos próximos tempos acções e ferramentas para que possa ser implementada. Respeitando a decisão da Assembleia Geral do STE de, por enquanto, não fazer parte do novo sindicato e manter a mesma estrutura e forma de organização que tem tido, o projecto de novo sindicato continua. Tanto o Sindicato dos Músicos como o CPAV - Centro Profissional do Sector Audiovisual continuam empenhados para que o CENA- Sindicato dos Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual, exista formalmente depois do verão e, mais importante ainda, centenas de colegas já mostraram o seu interesse e disponibilidade para participar nele.
Bruno Cabral
técnico de cinema e activista da Plataforma dos Intermitentes
nota: a ficha de pré-inscrição no CENA encontra-se disponível em www.cpav.pt
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