quinta-feira, novembro 12, 2009

Villepin: "A cultura é um parente pobre"


09 | 11 | 2009 14.52H
"Um ministério da cultura é sempre um parente pobre, reduzido ao seu valor orçamental, um ministério de subsídios", lamenta o ex-primeiro ministro francês Dominique de Villepin que defende a actualização permanente da política cultural.
Destak/Lusa | destak@destak.pt
"Não existe uma política cultural já feita, é preciso ser melhorada, adequada, é um trabalho de diálogo", defendeu Villepin em entrevista à agência Lusa, à margem do Estoril Film Festival onde deu uma aula sobre o papel de Malraux, o primeiro responsável por um ministério da cultura, de 1959 a 1969, nos governos de Charles De Gaulle.
Visitante assíduo de Portugal, Dominique de Villepin conhece profundamente a história e a cultura do nosso país. Foi em Cascais, onde agora regressou para o festival, que passou a lua-de-mel. Ao falar da identidade portuguesa, vai buscar facilmente Fernando Pessoa.
Recorda ainda o contacto com o falecido jornalista e escritor Álvaro Guerra, com quem se cruzou na Índia quando ambos eram diplomatas.
"É preciso corrigir constantemente as coisas, se queremos que os músicos, os cineastas, os homens da literatura, do teatro se possam exprimir", afirmou. "É preciso fazê-lo com a preocupação da novidade e de acompanhar os criadores para ultrapassarem etapas, e com a preocupação da diversidade, para que a cultura não seja o reflexo da mentalidade de uma sociedade ou de uma época".
"A política cultural não pode ignorar as novas tecnologias, a internet. Aprovámos em França a lei Hadopi que tenta preencher um vazio jurídico e que permite afirmar que qualquer obra de criação merece remuneração, mas estamos conscientes dos limites de uma lei como esta, e temos de conseguir avançar para um sistema mais estimulante no plano cultural."
Sobre o papel que o Estado pode ter neste plano, Villpein defende que "o mercado não é suficiente, não se pode ter apenas Hollywood e Bollywood no cinema". "Como explicar o milagre do cinema da Palestina, de Israel, do Irão, até de filmes independentes americanos, com orçamentos pequeninos?"
"O Estado está lá para dar uma oportunidade, para sair da lógica do mercado, porque o grande risco da mundialização é que a cultura seja um bem como qualquer outro, uma simples mercadoria. Isso é uma ameaça à cultura. Precisamos de permitir a expressão aos criadores que têm algo a dizer, de qualquer que seja o seu horizonte. É aí que os mecanismos apropriados de encorajamento à criação podem mudar tudo."
Villepin sublinhou que André Malraux "foi o primeiro a mostrar até que ponto é importante que cada um tenha acesso à cultura e a todas as obras da cultura do passado e também do presente. Essa afirmação é revolucionária. A cultura não está fechada em caixas, em livros, em museus, nas bibliotecas nem nos teatros."
A educação é um "bem comum" mas a cultura, para Villepin, é mais do que isso: "uma ligação entre os homens, um meio de independência e de pertença, aquilo a que Malraux chamava um anti-destino".
"Não são iguais os destinos de um rapaz que nasce nuns subúrbios franceses, ou de outro que nasce na burguesia ou do filho de um operário. Mas a cultura pode destruir esse fatalismo, permitir que cada um se reaproprie da sua vida, do seu destino. Um anti-destino é um destino diferente daquele que estava escrito. E essa é a força revolucionária da cultura."
"O ensino dá-nos meios para compreendermos o mundo e para nele nos situarmos, mas a cultura vai mais longe. Permite agir sobre nós mesmos não apenas no conhecimento que temos de nós mas também na capacidade de mudar. A cultura é um elemento de interacção entre eu e eu próprio e entre eu e os outros. É o melhor instrumento de transformação, de metamorfose. Deste ponto de vista, a cultura é um instrumento extremamente poderoso que temos sobre nós e os outros, é um elemento de liberdade".

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