domingo, abril 24, 2011

Imagem articulada de Cristo utilizada em cerimónias da Semana Santa: proto-teatro com marionetas?



Imagem articulada de Cristo utilizada em cerimónias da Semana Santa: proto-teatro com marionetas?
A história da marioneta europeia associa o desenvolvimento desta arte ao culto cristão com o uso de figuras articuladas na representação de quadros ou episódios bíblicos como instrumento de evangelização, sendo essa, aliás, uma das hipóteses do nascimento do vocábulo marionette, de petite Marion.
Nesse contexto, são igualmente inúmeras as referências à existência e utilização de estátuas de Cristo, articuladas, para a representação de cenas da Paixão durante a Idade Média, referindo-se o Concílio de Trento (1545-1563) como marco histórico na repressão a tais manifestações no interior dos locais de culto, fundando-se nos abusos, abastardamentos e desmandos a que se teria chegado com tais representações sob a capa da piedade religiosa.
Em Portugal existem bastos sinais da existência de tais representações e Henrique Delgado bem assinalou a existência, no Museu Grão Vasco em Viseu, de uma imagem de Cristo, articulada nos braços e pernas, do séc. XII (revista Plateia nº 401, de 8 de Outubro de 1968, pág. 43). Sabe-se também que, apesar das interdições decretadas pelo Concílio de Trento e replicadas por várias Constituições Sinodais (como, por exemplo, as de Lisboa em 1737) as comunidades mantiveram o gosto pelas representações dramatizadas da Paixão ou de Autos natalícios, ao longo dos tempos, por vezes de forma mais evidente, outras vezes em estado de latência que permite mais tarde ou mais cedo ressurgimentos de práticas ancestrais.
Há cerca de 30 anos, assisti a umas celebrações da Semana Santa na vila de Pedrógão Grande em que o sermão sacerdotal era acompanhado de uma dramatização com vários jovens envergando trajes vagamente apropriados ao propósito e que rodeavam uma estátua de Cristo crucificado e, a dado momento da celebração, o Jovem que representava José de Arimateia era substituído por três garbosos bombeiros em farda de gala e capacetes reluzentes que soltavam da cruz os braços do Cristo e desciam-no depondo a imagem no regaço das jovens que representavam Maria, Madalena e Verónica.
Tratava-se, portanto de uma imagem articulada que ainda é utilizada à semelhança dos ancestrais rituais acima referidos.
Nesta época pascal decidi deslocar-me àquela vila do distrito de Coimbra para, apesar do tempo chuvoso que naturalmente limitou o decurso das cerimónias religiosas e, certamente, o afluxo habitual de participantes, tentar registar fotograficamente o evento.
São algumas das fotografias obtidas que anexo a este testemunho. Quanto à imagem utilizada, segundo informação obtida junto da Misericórdia de Pedrógão Grande que co-organiza as referidas cerimónias, é uma peça recente, da década de cinquenta do século passado, e terá sido adquirida, articulada, com o propósito de possibilitar o uso cerimonial descrito, para além da habitual dedicação ao culto na Igreja matriz.
Abril de 2011
Ildeberto Gama

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